terça-feira, 18 de março de 2014

Poesia para Clevelândia

POESIA PARA CLEVELÂNDIA

Miguel Arnildo Gomes

Das cinzas do acampamento
Espalhadas sobre a pista
Surgiu tenaz Bela Vista
Quando a usar-se de um só perfil
No repontar de um mês de abril
Ou sob o calor de um janeiro
Com esse espírito pioneiro,
Cresceu sem temer jamais.

Pela bravura de alguns imortais
O rincão que ao se fazer forte se enobrece
Como o clamor de uma prece,
Como o esplendor de uma luz.
Pela razão em que se deduz,
Reverenciando a geração de agora
Se agiganta, se deslumbra e se revigora
no resplandecer da vitória.

Clevelândia entrou para a história,
Para prosseguir no mesmo rumo
Quando a usar-se de um só prumo,
Cresce, se emancipa, se enobrece e sintetiza
Por onde se caminha e jamais se desliza,
Ao embasar-se em alguns fundamentos
Quando a buscar-se pelo poder do pensamento
o calor do verso que se estiliza.

Clevelândia tornou-se cidade mãe sudoestina,
Pelas próprias filhas que as gerou.
Pelas belas cidades que as procriou
E que as fez também fortes e emancipadas
Pelas colônias anteriormente formadas,
Hoje, cidades prósperas, altaneiras, e sem jaça,
Quando alicerçadas aos ideais de uma raça,
O presente se fundamenta, se fortalece e se espelha,
Ela beleza da terra fértil e vermelha
E no desenho panorâmico de seus verdes pinheirais.

Hoje a buscar-se no seio de nosso ancestrais,
A firmeza para os dias felizes para onde se encaminha,
Clevelândia, cidade hospitaleira, cidade rainha,
Com o canto dos sabiás, canto das cigarras e coaxar das rãs,
Apontando para a esperança nos dias do amanha,
Nas manifestações de que hoje evidencia-se.

Pelo trabalho que se vive o dia-a-dia,
Pela labuta que hoje torna-se evidente,
A buscar-se no passado, depois unindo-se ao presente.
Clevelândia município mãe, cidade portal,
Na conformidade com espírito jovial
Caminhando para o futuro se fascina,
Pelo paraíso de suas campinas floridas
Pelos leitos de seus rios e riachos que dão vida,
Pela beleza infinita de que se refaz.

Pela consciência estampada em nossas mentes,
A protegermos nossas matas, riachos e nascentes
Ó Clevelândia, te amamos demais.


Poesia - Memórias Sudoestinas

MEMÓRIAS SUDOESTINAS

Poesia Miguel Arnildo Gomes

Sudoeste te saudamos com natural propensão
A proferir com emoção, do culminância que nos brindou
Quando a própria historia nos legou, o que nos trás irmanados
Ao ver presente e passado às vezes não percebidos
Seguirem-se em frente unidos, com rumo e entrelaçados

Sudoeste uma legenda e de uma rústica bagagem
Que nos reflete a imagem do índio valente e nu,
Mais tarde o branco e Xirú traçaram nossas fronteiras,
Na comunhão brasileira ficou publico e notório,
Fez parte de um território que foi chamado Iguaçu.

O sudoeste descrito é do chão araucariano,
Vicinal de los hermanos da Argentina pátria amiga,
Na poesia e na cantiga saudamos com paz e fé,
Para continuar em pé este jardim colossal,
Do Paraná imortal, do povo nobre e soberano.

Saudamos a mulher linda, pela graça e pelo amor,
E o homem trabalhador, o citadino e o roceiro,
Também o rude campeiro, com laços e boleadeiras,
Que um dia cruzou fronteira, sem recuar nunca mais,
E fez Brotar dos mananciais, o seu trabalho pioneiro.

Esta é uma mensagem oferecida ao Sudoeste,
Das belas matas silvestres e lindos campos naturais,
Rincões de amor, vida e paz do canto da gralha azul,
Retalho alegre do Sul, em rudes versos suplicamos,
Ao imutável e Bom Jesus, para que sempre exista luz,
Na terra dos pinheirais.

Mil novecentos e cinquenta e sete
A constar neste rimário
Quando moldou-se o cenário
Do glorioso sudoeste
Numa paixão que se investe
Por caminhos obscuros
Pra dar vazão ao futuro
E implantar a raiz
Sem deixar marcas ou cicatriz
Quando os colonos sem lutas
E com espingardinhas fajutas
Derrotaram os fuzis

Quantos colonos de brio
Permanecem no anonimato
Mas que serviram de aparato
Para o rincão que prospera
Para um povo que lidera
Em fomento e produção
Eis a surpreendente razão
A unir-se o trabalho a dignidade
Que deu origem a modernidade
De onde o tempo não guardou segredos
Onde o progresso chegou mais cedo
Para o bem da humanidade

Os louros destas conquistas
Foram repassadas para nós
Que herdamos de nossos avós
E semeadas entre os descendentes
Para perdurar-se eternamente
Onde em poesias se reveste
Em percepção de cor celeste
Com uma estrela em andamento
A flutuar no firmamento
Em fantasias e no amor
Trazendo luz e esplendor
Ao bem aventurado sudoeste

Salve o colono glorioso
Salve o chão sudoestino
Onde enredou-se o destino
Cheio de ternuras e glórias
Em que alavancou nossa história
Sobre o verde de suas matas
Dos ribeirões e cascatas
Em efeitos extraordinários
Mil vezes mais humanitários
Onde Deus traçou a diretriz
Onde seu povo é feliz
Em suas origens campestres
Para tornar-se hoje o sudoeste
Um imenso orgulho para nosso país


Poema - Tostado Malacara

Tostado Malacara
                                                           Poesia Crioula
Miguel Arnildo Gomes


Em um determinado tempo atrás
Comprei um potro tostado
Quando a montar dos dois lados
Nunca me negou estrivo
Mais se parecia um saci redivivo
Um serelepe irrequieto
Pra ser sincero ou correto
Jamais encontrei outro igual.

Mais tarde deixou de ser bagual
A receber castração
Por tornar-se de minha estimação
Também de excepcional valia
Pela imensurável serventia
O amarrei nos tentos do meu coração.

É um cavalo exuberante
O qual não quero diminuir
Junto ao quaro de dormir
Em momentos de ousadias
Fiz a sua estrebaria
Construída com tabuas de pinho
De onde sempre tratei com carinho
O animal que encilho.

Dando-lhe alfafa, aveia, milho
E cenoura por sobremesa
Sem me importar com despesas
Que poderão advir
Pois outro igual, esta por vir
Em toda esta redondeza.

Este animal originou-se
Das raças Crioula e Quartodemilha
Que apartei de uma tropilha
Por ser o mais belo e ostentoso
Nas guampas de um boi barroso
Joguei a primeira armada
Quando o boi em disparada
Cruzou por dentro de um valo.

Eu enriba do cavalo
Me fiz rei neste momento
Já cheio de argumentos
Fui segurando aos pouquitos
Pra depois pregar um grito
Ta preso o bicho nos tentos.

Virei pra frente a guaiaca
Passei os cobres pro dono
Que era um taura com entono
E jeito de gente graúda
Onde sem precisar de ajuda
Efetuei solito a transação
No final desta questão
Que foi fração de um segundo.

Me senti afinal, dono deste mundo
Quando a partir daquele dia
Minha vida passou a ter regalias
Em uma felicidade que a nada se compara
Quando levei a cabresto o malacara
Para morar pra sempre em minha estrebaria.

Jamais conheci outro igual
 Bem ágil mas de extrema confiança
Servindo ate para as crianças
Pra ir ao povoado ou na venda
Buscar alguma encomenda
 Mas sem precisar de retovo.

Comprar um bico pro guri mais novo
Quando a situação nos reclama
Alguns palmos de fumo em rama
Urinol, querosene e Lampião
Dando-nos nítida impressão
Que tudo é a pedido da patroa
Mais um frasco de canha, da bem boa
Pra nós beber com limão.

Quantas vezes que até nem me lembro
Em que venci torrenciais e enchentes
Só pra mostrar pra minha gente
O quanto eu era gabola
Hoje a própria saudade me consola
Não desmerecendo a ilusão de moço
Quando dava tapinhas no pescoço
Agradecendo ao tostado.

A me sentir um herói condecorado
Sem ser agraciado e sem sutilezas
 Quando retornava a correnteza
Para a minha redenção
Sentindo a notória convicção
Onde a própria alma se lava
Em triunfos regressava
São e salvo pro galpão.

Sem fazer comparação
Porque a nada se compara
O meu tostado malacara
É um fenomenal cavalo
Com ele nunca errei pealo
Onde o entusiasmo se agarra
Pealando até de cucharra
E a jogar de sobre lombo
Em tempo algum levei tombos
Em meu trabalho ou na farra.

No rumo da incerteza
É onde o ginete se estampa
É donde a vaidade se acampa
Sem dar um beliscão de espora
Disparando campo a fora
No linear de um arremesso
Onde o cavalo bom tem preço
Onde a verdade não se ignora.

Quantas vidas a mais originou-se
Em que a natureza se propõe e realiza
Onde a Inteligência se notabiliza
A compararmos humanos e irracionais
A confrontarmos somos todos animais
Apenas diferentes na faculdade de entender.

Onde desprovidos da magia do saber
São eles impulsionados pelo poder do instinto
A relinchar quando estão famintos
A pedir rédeas em momentos de euforia
A demonstrar que são passíveis de alegrias
Sempre guiados pela força do instintivo

Até parecem-se com duendes redivivos
Que voltam á tona em plena era espacial
Simbolizados de maneira superficial
Pelo meu Malacara das quatro patas brancas
Com uma mancha tordilha sobre a anca
Numa gravura projetada ao natural

A pressentir éguas em cio
Ainda se assanha o tostado
Por vezes ignorado
Por vezes incompreendido
Radicalmente adormecido
A exercitar a própria peça
Eu já fiz até promessas
Pro nego do pastoreio
Para que o pingo dos meus arreios
Se conscientize de uma vez.

Mas se um dia mil proezas fez
A tornar-se evidente
Que passe a viver o presente
Sem renegar seu passado
Ao não se tornar mal falado
Pela razão fundamental
Ou pelo principio mais cabal
Para que não recobre os tempos de outrora
E passe a viver unicamente os dias de agora
Esquecendo os tempos em que foi bagual.

Quanta china carregou
Na garupa o malacara
Com uma mansidão bem rara
Mas se precisar chomisco
Mais se parece um corisco
Riscando o céu do universo

No resumir dos meus versos
Que dão vazão a minha vida
Volto na mesma medida
Ao assunto mencionado
Referindo-me ao tostado
O meu coração dispara.

Quando com a verdade se depara
Só em pensar que o malacara
Pra sempre não vai viver
Mas o dia em que ele morrer
E se bandiar para o além
Na rudeza do meu canto
Eu suplico a meu santo
E sintetizo na poesia
Que minha vida tornar-se à vazia
E que eu quero partir também.

Caramba, barbaridade
Porque a aflição me invade
Onde a emoção me judia
Seria a maior covardia
Bater num pingo de ouro
Uma relíquia, um tesouro
Que não se compra a revelia
E não se encontra em pulperias.

Por ser de extremo valor
Não se amarra em cabanas
Porque a má sorte é tirana
Traiçoeira e sem compromisso
Podendo até virar feitiço
Nos olhos de uma xirua
Que por vezes se insinua
A querer enfeitiçá-lo.

Por isso que ao amanoncea-lo
O que faço diariamente
Eu peço ao onipotente
Pela fé em que me seduz
Para que o mundo torne-se só de luz
Pela misericórdia do senhor
Para que eu morra na paz e no amor
Para que abençoe também o meu cavalo.


História - Um bugre maragato

UM BUGRE MARAGATO

Miguel Arnildo Gomes

Era um domingo, véspera de carnaval do ano de 1952. O dia apresentava-se extremamente chuvoso, mas nada que pudesse impedir as festividades comemorativas, pela abertura da nova capelinha de São Roque. Naquele aconchegante recanto afastado a 15 km da Paróquia de Cristo Rei de Não Me Toque – RS, onde centenas de fiéis católicos se aglomeravam, para participar das festividades alusivas a inauguração do referido e modesto templo. Eram na sua grande maioria, famílias de arraigados agricultores e criadores, que faziam exclusivamente do amanho a terra, plantio e colheita, o seu único e incontestável meio de sobrevivência, quando além do sustento da própria família, ainda decididamente colaboravam com seus produtos agrícolas mini pecuária para o abastecimento dos pequenos, médios, e principais centros consumidores. Fastimilhano José dos Reis há este tempo já era um cidadão cinquentão, pessoa radicalmente humilde e pobre e que casado já há quase 30 anos com Isabel, sua eterna namorada, jamais durante a vida conjugal tiveram filhos ou possuíram alguns bens de capital. Talvez um pequeno cãozinho guaipeca ou totó como se dizia, mais uma gatinha que Isabel a chamava carinhosamente como Mitia. Também jamais em sua vida, este referido senhor fora chamado pelo próprio nome, pois para todas as pessoas que o conheciam, indistintamente era conhecido apenas como Fastimiano ou Bugre. Isabel levando-se em conta seus cabelos caracolados, talvez pela semelhança a lã de ovelha, dava-se então o apelido de Bequinha ou Beca.
Fastimiano e Beca não possuindo moradia certa ou particular, residiam no próprio local de trabalho, onde munidos de machado, foice, serrote, mais enxadas, pás, cunhas e facão, além de abrir roças, eram especializados em preparar tabuinhas para cobertura de casas e galpões.
Era um casal extremamente carismático, denotadamente amados, muito principalmente pelas crianças. Sempre morando a beira do Arroio Cotovelo, mais para cima, ou mais para baixo, na margem direita, mais muito principalmente na margem esquerda.
Quem não se dispunha na época em ceder uma pequena casa, para que o Fastimiano e a Beca, por algum tempo pudessem fixar suas residências. Pois eram eles, compadres de muitos outros casais de agricultores e proprietários rurais, com quem conviviam na mais perfeita paz e solidariedade humana. Fastimiano mesmo ainda correndo em suas veias o sangue congênito, jamais foi seguidor da cultura nativa de seus avós, os quais acreditavam piamente em Nhandcy (a sua mãe terra).
Quando guiados pela força de Kaiuã (dom da palavra), chegavam ao encontro de Nhanderuvuçu (o seu Deus pai).
Quando ainda encontravam através de seu Pajé, feiticeiro indígena Murubixaba, energia suficiente para implorar a Tupã (a força dos ventos e dos pássaros), para assim poder estar totalmente livre e protegido do furor de tempestades e raios. Fastimiano nem mesmo foi sabedor, que sua cultura religiosa nativa, havia sido arrebatada de seus ancestrais indígenas. Quando os pregadores da companhia de Jesus conseguiram com extrema habilidade, retirar de seus povos, o Deus Tupi – Guarani, para assim poder introduzir entre os mesmos, o nosso Deus branco, como passou a ser chamado pelos nativos.
Ao longo de sua vida, talvez também não foi sabedor que a mesma Santa Virgem Maria, para quem eles tanto rezavam e acendiam velas, fora um dia a igualmente conhecida como Tupancy (Senhora Protetora), para seus avós Guaranis. Fastimiano e Beca, tinham como hábito, visitar diariamente seus amigos e que eram em razoável numero, quando o bugre velho costumava identificar as crianças pelo próprio apelido familiar. Também eram eles participantes ativos de reuniões sociais, quando se vestiam adequadamente, bem como em encontros ligados ao catolicismo em geral e celebrações festivas. Mas como nunca possuíram recursos financeiros suficientes para adquirir um receptor de radio, que na época devido aos elevados custos, constituía-se como uma raridade e restrito apenas para os casais mais abonados. Marcavam-se então presença obrigatória em todas as terças e quintas – feiras, nas casas de compadres e comadres a partir das 19 horas para poder ouvir a musica caipira, gênero musical pelo qual se demonstravam ser extremamente apaixonados, quando estas musicas eram interpretadas ao vivo pelos três famosos batutas do sertão, Torres, Florêncio e Rielli Filho. Isabel, dentro de seus princípios naturalmente hábeis e de extrema paz, procurava viver uma vida unicamente voltada para a agudeza de espírito e profundo amor ao próximo. Enquanto Fastimiano, apesar de sua perspicácia, mesmo a não ser eleitor, em todas as reuniões festivas, denotadamente usava sobre o pescoço um tradicional lenço vermelho, querendo com isso simbolizar o partido libertador, de ideais maragatos e ideologias semeadas entre nós e ao longo da história, pelo tribuno Gaspar Silveira Martins.  Sendo este conjunto de idéias, ainda nos anos 50, passiveis de milhares de seguidores, principalmente no interior do estado do Rio Grande do Sul. No ano de 1952, ainda era o Presidente da Republica o Doutor Getúlio Dorneles Vargas, gaúcho de São Borja – RS, que foi eleito por larga margem de sufrágios em 03 de outubro de 1950. Quando derrotou pelo voto popular (principalmente dos mais humildes), o seu principal antagônico e sempre combativo Brigadeiro Eduardo Gomes da UDN. quando se dizia popularmente na época, que seria este o candidato que representava as três forças armadas. Exército, Marinha e Aeronáutica.
Depois dessa histórica eleição, o imortal presidente Getúlio Dorneles Vargas levando-se em conta sua profunda intrepidez e carisma junto aos humildes, voltava ao poder, agora nos braços do povo. Pois ele já havia governado o País durante 15 anos, a partir de um movimento armado em 1930, quando em 1945 foi deposto por um golpe militar.
Getúlio Vargas também não concluiu seu segundo mandato, quando novamente, não conseguindo suportar tamanha pressão e muito principalmente militar, suicidou-se em seu próprio palácio em 24 de agosto de 1954.
Na tradicional festa de São Roque, que habitualmente se comemora a cada dia 16 de agosto, naquele ano de 1952, dado ás circunstâncias da inauguração da nova capelinha, a mesma foi realizada com grande ênfase no mês de fevereiro, véspera de carnaval. Meu pai e minha mãe particularmente por motivos de luto familiar, não se fizeram presentes naquela reunião comemorativa. Coube a mim na companhia de meu irmão Antônio Carlos e irmãs mais velhas, prazerosamente representar nossa família, naquele ambiente festivo e de cunho significativamente familiar e religioso. Eu me encontrava excepcionalmente feliz naquele domingo chuvoso. Quando passava a chover mais intensamente e ainda a não haver pavilhão no local, o povo se dividia, cabendo as mulheres e crianças a ocupar as dependências da igrejinha, quando então conversavam de maneira imensuravelmente Cortês e em determinados momentos voltavam a fazer suas preces oferecidas a São Roque, o Santo padroeiro e protetor dos pequenos animais. Enquanto isto os homens e jovens de ambos os sexos se aglomeravam nas dependências da escola municipal Tomé de Souza, que se divisava ao lado da referida capela. Eu na ânsia dos meus 12 anos e no afã de ouvir a excepcional musica, procurava mesmo aos empurrões, me posicionar o mais próximo possível, para ouvir um dos mais renomados conjuntos musicais da cidade de Carazinho, a constatar que ali estava pela primeira vez e gratuitamente a banda Fossati que era regida pelo professor Canela, e sobre o comando do proprietário da mesma, o senhor Celeste, quando desta vez também enxertados pelo renomado acordionista, Guri da Constância. Era naqueles tempos um conjunto de ótima qualidade e reconhecidos por qualquer um, mesmo que fosse também eu no momento, talvez imaginado por muitos, assim como realmente era, apenas mais um singelo e insciente conhecedor de teoria musical. Quanto a gêneros musicais, este variava dentro da musica popular brasileira, entre outros ritmos, sambas, boleros, baiões, bem como musicas portenhas e até mexicanas, além de diferentes marchinhas carnavalescas, como foi Chequita Bacana, Taí, Ó Jardineira, Guerra da Coréia...
Mas como naqueles tempos ainda se estava longe de se ter luz elétrica por aquelas bandas, as comemorações festivas eram realizadas em locais impróprios, a não haver lampiões, perdurava-se apenas enquanto houvesse a luz do dia. No entanto, enquanto a noite já se aproximava rapidamente, eu ouvia os chamados insistentes de meu irmão com as seguintes intimações:
“Vamos embora tchê, porque já é tarde demais!”.
Mas, quando nos preparávamos para imediatamente deixar o local, fomos em um momento surpreendidos com um pequeno tumulto localizado, quando percebemos a alguns metros de distancia, um grupo de homens e mulheres caminhando lentamente, com pedidos de:
Atenda-me, por favor, Fastimiano”, enquanto o mesmo retrucava em altos brados:
“Eu não atendo a ninguém, e prometo que pego aquele político meia tigela e raspo o bigodinho nojento dele com o meu facão, porque sou libertador e não abro mão de meus ideais maragatos!”.
Quando ainda continuava o mesmo:
“Eu pego aquele baixinho mentiroso, que só promete e nada faz pelos pobres, em qualquer volta da estrada e viva o partido libertador. E viva o partido libertador!”
Mas num instante aproximou-se do bugre velho o inspetor de quarteirão, senhor Firmiano de Quadros, quando energicamente lhe questionou:
“Mas quem você quer pegar na primeira volta da estrada, Fastimiano, e raspar o bigode? Pois pelo que sei, aqui só tem pessoas boas e de paz”.
Fastimiano a ser efusivo, em momento algum deixou de ser transparente, a sair com mais esta:
“Eu prometo sim, e lagramputa algum me interrompe, porque na primeira volta da estrada eu pego o Getúlio Vargas e raspo o bigodinho nojento dele com o meu facão de lascar tabuinhas”.
Esta foi, portanto, mais uma façanha do Fastimiano, bugre velho, querido por todos, mas por vezes não podia ver bebidas alcoólicas em sua frente porque a tomar todas, se descontrolava totalmente e jogava pelo gargalo qualquer espécie de sensatez, razão e até mesmo antigas e sinceras amizades.
Os anos passaram-se como sempre tão depressa, quando a Bequinha, sua deusa, se foi primeiro, depois o bugre Fastimiano morreu com mais de 90 anos, quando estava internado em um asilo a exemplo de tantos outros, quase esquecido, deixou entre nós, apesar de algumas fraquezas momentâneas e próprias do ser humano, um perspicaz exemplo de ternura e afeto, principalmente oferecidos ás criancinhas que pela transparente impressão deixada entre nós ao longo de sua vida, que ele tanto amou.
Eu acredito e tenho até plena convicção que o bugre Fastimiano, foi apenas mais um entre os milhares de descendentes das tribos guaranis, que habitavam a margem esquerda do Rio Uruguai, região missioneira, conhecida também pelos descendentes espanhois, segundo o historiador Luis Carlos Barbosa Lessa, através de seu consagrado livro Rodeio Dos Ventos, como País Del Tape. Com a catequização dos indígenas, dos Sete Povos das Missões, os nativos guaranis começaram então a perder suas origens ou raízes. Anos mais tarde, com a invasão das missões simultaneamente pelos exércitos de Portugal e Espanha, foram os remanescentes selvagens que restaram dos combates, enxotados do seu habitat natural. Então sedentos e famintos, passaram a perambular pelo continente de São Pedro, em busca de seus antigos hábitos e cultura religiosa. Sonhavam eles, que um dia poderiam retornar em toda a sua plenitude, contando com a força de seu Deus Pai (Nhanderuvuçu) e Mãe Terra (Nhndci), para a terra, as matas e os próprios rios que lhes foram roubados.


Poesia - O Paraná de todos nós

O Paraná de todos nós

Nasci do bojo dos tempos
Sem atribuição, preceitos ou diretrizes
Em terras que se prediziam fecundas
Semeei profunda, minhas raízes

No aconchegante seio de Nhandecy
A inspiração simboliza
Buscando força na origem
A própria ascendência se eterniza

Crescido no divisor de águas
Separando o Cinzas e tibaji
Trilhei por Ibitiraquira
E morei no pico do Marumbí

Segui o caminho de Pai zumé
San Tomé ou Peabirú,
Margeando os rios Ivaí
Piquirí, Tibagí e Iguaçu

Iara é a mãe das águas
Mas ceucy que fez brotar
Verdes pés de erva mate
No sertão de Guairá

Loreto mais Santo Inácio
E outras grandes povoações
Foram símbolos evidentes
Das notórias reduções


San Pablo, Conseepción,
San Miguel, Jesus Maria
Republica teocrática Guarani
Uma idéia que se esvazia

Vila rica do Espírito Santo
Nas margens do Ivaí
Deixou seus sagrados rastros
Na foz do Corumbataí

Vi os primeiros povoadores
Rumo ao sul pra se fixar
Ao sair de Cananéia
Chegando a Paranaguá

Vi a coivara plantada
De xaxo ou de saraquá
Ouvi na eira a batida
De vara ou de manguá

Fui feiticeiro selvagem
Em Atalaia vivi
Em palmas lutei ao lado
Do destemido Viry

Fui o caminho das tropas
Fui Rio Chopin sem dar Vau
Ouvi o grito do ronda
E o canto do Urutau

Percebi a angustia do rondante
Na imaginação que flutua
Implorando por ajuda
Em noites escuras e sem lua

Vivi o ciclo do ouro
Da agricultura e pecuária
Ouvi o canto da gralha azul
Por entre as matas de araucárias

Agora, a conjeturar ainda vejo
Em relances, fantasias e memórias
A fixão em desvanecimentos e desejos
A beber água nas cacimbas da história

Conheci Antonio Bicudo
Com familiares e pertences amais
Oferecendo apoio aos exímios tropeiros
Que percorriam os campos gerais

Ouvi o ruído das carroças
Com a chegada do imigrante
Era o progresso rondando
O meu estado gigante

Sou descendente Caingangue
Que habitou matas virgens
Assimilei outros padrões culturais
Sem renegar minhas origens



Vi o caboclo araucariano
Que do borralho saindo
Pra defender foi à lapa
E enfrentou o Gumercindo

Ainda hoje retumbam nos ares
Numa sinfonia de muitas canções
Neste relato de ontem e de agora
Em mais um duelo entre gerações

Escutei o rumor das sete quedas
A algumas léguas de distancia
Ouvi a voz da civilização
A ocultalas com arrogância

Aos ambiciosos destruidores das matas
A sua proteção, Deus Tupã e Tupancy
Não poluam vertentes e cascatas
É um protesto de origem Tupi

A peregrinar pelo passado em riste
Virtuais ideologias transponho
A evidenciar novos tempos
Que se deslumbram felizes e risonhos

Mas hoje afinal quem eu sou
Só a nossa história pode contar
Venho do fundo do tempo
Sou o rico, glorioso e sempre honrado estado do Paraná


Viva os pinheiros remanescentes
E verdes matas de Taquaraçu
Salve a própria fauna reprimida e sofrida
E viva o nosso parque nacional do Iguaçu

Do baú primoroso do tempo
Reuniremos razões convenientes
Ao unir-se o passado ao presente
Em uma réplica incontestável e sagaz
De um povo ordeiro que se satisfaz
Em um estado que já nasceu gigante
Que se aprimora, se renova a todo instante
Este é o Paraná de todos nós
O Paraná do sonho de nossos avós
O Paraná do trabalho, do amor, da vida e da paz



Miguel Arnildo Gomes