quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Poesia - Caminhos de Palmas


CAMINHOS DE PALMAS
(a memória de meu avô Manoel Francisco Xavier de Quadros)

O céu encosta na terra
Pra banda que vem do poente
Me volto para o nascente
Na linha do horizonte
Encontro atrás do monte
Em marcha acelerada
Lavouras mecanizadas
É a evolução em reponte.

Tropeiros por aqui trilharam
Onde vão cruzar jamais
Rumando aos campos gerais
Hoje marco do passado
Onde o chão foi demarcado
Por muáres e gadarias
Balizando com ousadia
O futuro pra este estado.

Sigo o caminho de Palmas
Vejo a gralha azul em bando
Plantando o pinhão plantando
Ouço o cantar do nambu
Onde junto a um bando de Uru
Em madrugadas de lua
A índia volta a estar nua
No sertão do Iguaçú.

Cruzando de sul a norte
Na missão mais arriscada
Com tropas contrabandeadas
Até da banda oriental
Na magia teatral
Os cincerros barulhentos
Deram rumo e andamento
A comitiva tradicional.

Foram marcas do caminho
Com essência xucra e caudilha
Que riscou nossas coxilhas
Num retumbar pioneiro
Junto ao calor do braseiro
Nas quebradas, nos lançantes
Foi a alma mais vibrante
No coração dos tropeiros.

O rastro desta trajetória
Foi traçado com sangue e suor
No linguajar desbravador
Com mescla de guarani
Foi semeado por aqui
Em toda a sua grandeza
Por respeito a natureza
E ao canto do bentevi.

Estas tropeadas de ontem
Hoje nos servem de guia
São lendas, trovas, poesias
E contos junto aos fogões
Varando várzeas, capões
Cruzando por matas virgens
Caminho que teve origem
Na fronteira e nas missões.

Foi corredor cultural
Em dimensões diferentes
Que trouxe para o presente
Com arte ou nomenclatura
Ritos, ficções ou figuras
Deixados pelos avós
Que fez chegar até nós
Este acervo de cultura.

É a história contextualizada
Deste ciclo do muar
Que se pode alavancar
Aos Birivas soberanos
Gaúchos e castelhanos
Por consciência irmanados
Trilhando por quatro estados
Até o chão sorocabano.

Da solidão das campinas
Forjando o prumo da rota
Pelas brenhas ignotas
O reponte segue mais
Herança de avós pra pais
Estes tropeiros valentes
Em façanhas comoventes
Na terra dos pinheirais.

Sob esplendidas memórias
Natural do telurismo
Arraigou-se o tropeirismo
A estabelecer-se as matizes
Onde fixou-se as raízes
De onde o tempo enviou mensagens
A perpetuar-se imagens
No sul do nosso país.

Guarapuava, Castro, Itararé
Por onde segue o itinerário
Por vastos documentários
Ou por onde a história se alinha
Como símbolo, a égua madrinha
Que pisoteando o chão se estremece
Em paixões que enobrece
O mais amplo conjunto literário.

Quantas rondas e pousadas
Quantas feras que se viu
Quantas cheias destes rios
E ferozes índios da taba
Onde a coragem não desaba
A recompor como hino
O cincerros como sinos
A chegar em Sorocaba.

Procurando divisores de água
Nessas ousadias sem apoio
Cortando cabeceiras de arroios
A conduzir grandes mananciais
Hoje não tropeiam mais
A repontar sem receios
Sobre bastos ou arreios
Nem mesmo em arribadas de sonhos
A gritar “me ajuda meu Santo Antônio
E meu negro do pastoreio”.

Do amanhecer de outros tempos
Ao alvorecer de novas primaveras
Sem fantasias ou sem quimeras
Para um outono que não se finda
Estas tropeadas foram mais lindas
Sobre paisagens tão belas
Como fadas e novelas
Deveriam ao tempo retornar
Par aonde alguém a contemporizar
Lhes desejar boas vindas.

Foi o decurso final
No ciclo do tropeirismo
Do mais belo paisagismo
Sem culto ou idolatria
Onde seguiram-se as mesmas etnias
Mesmos traços e argumentos
Onde trançaram-se os mesmos tentos
A cavalgar sem apuros
Em caminhos obscuros
É o que se pode sublinhar
Da beleza singular
A projetar com emoção
No eixo da imaginação
A direção para o futuro.

Foi vanguarda brasileira
No processo evolutivo
Misto de sangue europeu e nativo
Misto de sangue europeu e africano
Que na magia dos anos
Trazem na cincha o idealismo
De onde ocorreu o batismo
Da evolução sim senhor
Mas eu permaneceria sem temor
Por mais um vento que soprou
E na ficção que me levou
A jurar por todas as almas
Que no caminho de Palmas
Sem pompa, garbo ou entono
Fazendo do flete um trono
Voltaria a ser tropeiro
Determinante, persistente, aventureiro
Igualzinho, igualzinho ao meu avô.


Miguel Arnildo Gomes (MAGO)

Nenhum comentário:

Postar um comentário