sábado, 11 de maio de 2013

História O Susto do Rubérbo


O SUSTO DO RUBÉRBO - MIGUEL ARNILDO GOMES

Cruzavam-se os anos quarenta, com o termino da segunda grande guerra mundial as coisas começaram então a fluir com um pouco mais de desembaraço. No estremo sul e muito principalmente na região do Planalto Médio e próspero Alto Jacuí, entre outras regiões, com o fim do ciclo da madeira, a agricultura começava a se desenvolver agora com maior intensidade. Também foi nesta década que a lavoura mecanizada começou a dar seus primeiros passos, ainda que timidamente, mas dentro de um processo gradual, a cada ano que passava, novos e novos tratores iam surgindo, das mais diversas marcas e modelos, sem que pudesse se perceber claramente, aos poucos as lavouras de trigo iam tomando conta dos antigos campos de barba de bode, campos estes, que por séculos serviram de pastagens, ainda que precariamente, mas servindo de alimento para muitos rebanhos de bovinos, ovinos, muares e eqüinos.

 Mas com o surgimento da mecanização da lavoura, mesmo engatinhando sempre novidades aos poucos iam acontecendo, como por exemplo, os fertilizantes para adubar a terra, os arados e grades niveladoras, as plantadeiras que enterravam as sementes e adubos e demais utensílios, todos estes chamados implementos agrícolas, que eram arrastados por um trator que também servia entre outras coisas, para puxar as primeiras colheitadeiras rebocadas, que inicialmente serviam apenas para ceifar e debulhar o produto.
Contudo o que causava maior admiração, era ouvir barulhos e ruídos de máquinas, o que veio mais decisivamente a revolucionar os nossos campos, pois até então, o único ronco no campo que cada individuo conhecia, era o berro dos touros, o relincho dos baguais e jumentos e ainda o ronco dos soturnos bugios em algum capão de mato.
Paralelo a estas atividades, na ânsia de também prosperar e buscar riquezas, os mandiocais alargavam ainda mais suas fronteiras, agora de uma maneira mais decisiva disputavam seus espaços. A cada ano, os agricultores adquiriam novas variedades de ramas de mandioca para serem plantadas, quando a colher uma pequena percentagem era consumida internamente,entre os planteis de bovinos e principalmente de suínos, mas a grande maioria era consumida pela industria da farinha, para isso sempre mais tafonas eram construídas, aproveitando-se as muitas centenas e até milhares de quedas d’água existentes.
Por onde que se andasse, era comum ouvir-se a distância, ruídos de roda d’água a movimentar, ralos, prensas, bem como para lavar o produto, que após ser encaminhado para o forno, se transformaria em farinha. Por isso na época naquelas imediações, não faltava emprego, que ia desde a aração, plantio, capina e mais tarde arrancação de mandioca e muito principalmente na industrialização de farinha e ainda a coleta e secagem de polvilho. Nos intervalos, a rapaziada se distraia comparecendo nas bodegas ou bolichos, onde não faltava as tradicionais carteadas de baralho, além de jogo de bochas, onde a grande maioria tinha por costume deliciar-se com a saborosa aguardente de cana, ou “canha” como era chamada, onde era servida como até hoje, nos tradicionais copos de vidro, quando a cada dose era representada como um trago e sempre ao final de cada rodada ou partida, pedia-se:
-          Por favor, sirva-me mais um trago.
No dia seguinte ainda de madrugada quando cantava o primeiro galo, já estava a peonada a postos para mais um dia de trabalho árduo, quando alguns peões, se encarregavam de carregar a mandioca e transporta-la e para isso em muitas oportunidades, teriam que suplantar difíceis obstáculos e muito principalmente atoleiros, trabalho este que se efetivava, da lavoura, até a tafona onde era o produto industrializado; transporte este que geralmente acontecia através de enormes carroções, puxados por fieiras ou ternos de bois, onde a junta do coice era engatada na carroça através de um cabeçalho, depois a junta de ligação, posteriormente a junta da ponta. A unificação entre estas três cangas, conseqüentemente entre as três juntas de bois, era efetivada através de correntes conhecidas como cambão, ou de uma peça muito resistente de couro cru torcido, a que se dava o nome de tamoeiro, quando os peões cumpriam a árdua tarefa muitas vezes enfrentando chuvas, sol, geadas e até neves, quando seguiam agitando a picana estalando o relho e falando com os bois.
Á alguns quilômetros da localidade que denominavam Barro Preto ou Guabijuzal, morava  Júlio Severo, mais conhecido como Ruberbo, rapaz dinâmico e trabalhador, que era filho por adoção de um casal muito estimado, que residiam já por alguns anos naquelas imediações, onde Ruberbo se criou trabalhando na agricultura, na plantação, capina e arrancação de mandiocas e por vezes até em lavouras de arroz d’água, erguendo taipas e virando leivas através do arado americano, ao final efetuando o corte, trabalho este que também era praticado manualmente, mas em épocas de farinhada, Rubérbo sempre dispunha de tempo para o serviço na própria indústria. Quando o verão cruzava e entrava-se no outono, o povo já se preparava para mais uma safra de farinha, a qual tinha-se por normas começar no início do mês de maio, trabalho este que se estenderia até o final de julho, suspendendo-se no inicio de agosto, por ser considerada já, a fase de rebrotas, mas sempre foi esta fase em atividade da industria da farinha o período em que os agricultores, tafoneiros e peões, mais ganhavam dinheiro, o que costumava dizer, mais se niquelava.
Numa oportunidade já em um final de quaresma, período este que segundo a religiosidade, considerada por todo o mundo cristão, como os dias de maior devoção, quando celebra-se o mistério da paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e posteriormente a vossa Ressurreição. Como naqueles tempos vivia-se mais intensamente aqueles dias, quinta e sexta-feira da paixão, os agricultores guardavam então suas ferramentas de trabalho, passando a viver exclusivamente para Deus, participando da Vias Sacras e ainda do ato de adoração do Cristo crucificado. Como para muita gente, mesmo respeitando a Deus acima de todas as coisas, conseguia fazer uma mistura de religiosidade com superstição, conhecendo aqueles dias, como sendo quinta e sexta feira maior e acreditando que naquele período, como Jesus estando morto, o demônio se soltava e saia a noite atacar as pessoas, que por uma necessidade ou outra, precisassem sair.
Em uma certa sexta feira santa, enquanto centenas de fieis faziam suas penitências, ao reunir-se em torno das capelas, um grupo de amigos contrariando a todos os princípios a que se pode imaginar, decidiram em comum acordo procurar uma carteada, para isso não foi preciso hesitar, logo foi escolhido o local, que seria a bodega do Agenor, pessoa idônea que procurava tirar o sustento para sua família, de um pequeno estabelecimento comercial, situado a poucos metros do local conhecido como; Serrinho do Térezio. De inicio a conversa foi amena quando falava-se devagar, como que pedindo-se perdão, pelo fato de haverem procurado uma jogatina naquele dia santo, que na concepção de todos, teria que ser dedicado apenas a penitencias e orações. Logo em seguida para esquentar o clima, pediram um trago e a seguir mais um trago de canha, quando neste embalo o alcezito de nove ou pife começou a correr solto durante toda tarde, entrando-se noite adentro, tudo isto entre um trago e outro, mas quando suspenderam o jogo, atendendo-se a um pedido do proprietário e já embalados pelo efeito do álcool, só ai então pressentiram a grande asneira que haviam cometido.
 De uma hora para outra, voltaram a mudar o tom de voz e recomeçaram a falar em voz baixa, quando a conversa girava em torno de planos para os meses seguintes e do trabalho difícil que estaria para acontecer. Na medida em que os mais eufóricos contavam pausadas histórias, entre todos os participantes destacava-se Rubérbo, filho adotivo do Seu Timóteo e de Dona Josefa, que na condição de rapaz esclarecido, falava das proezas que um dia havia praticado, quando servira em um regimento de cavalaria na cidade de São Gabriel, quando participara inclusive de manobras militares das mais importantes, falava ainda das belas moças, que tivera oportunidade de conhecer na terra dos marechais. Porém quando chegou a meia noite, aconteceu novamente uma pausa, quando todos foram unânimes em afirmar serem pecadores, quando alguém entre o grupo ponderou, que com certeza Jesus lhes compreenderia e iria lhes perdoar, pelo fato de estarem àquela hora em uma mesa de jogatina, naquele dia tão sagrado e importante para o cristianismo. A seguir despediram-se e cada um tomou o rumo de seu lar, não havia lua e a noite era por demais escura, Rubérbo caminhava sozinho na calada da noite e teria obrigatoriamente que cruzar pelo Guabijuzal, ou Barro Preto, onde havia um pontilhão e ainda uma encruzilhada e que segundo comentava-se, por pessoas que não costumavam a mentir e que cruzando por aquele local em noites de sexta feira, haviam se dado de cara com o lobisomem e que até mesmo o Boi Tatá, já havia sido visto por aquelas imediações, o que era testemunhado por pessoas da verdade e sérias. Rubérbo naquele instante, quando apenas o canto do grilo e o coaxar das rãs quebravam o silêncio da noite, começou a imaginar tudo isso, lembrou ainda que teria que passar também pelo Angico Torto, onde gaudérios caminhando à noite teriam se deparado com terríveis assombrações, inclusive o Saci Pererê, já havia saltado em certa ocasião na garupa de um ginete que por ali cruzava. Quando ainda ao lembrar, que sua casa estava um pouco distante, mas que deveria confiar no taco, pois era ele Rubérbo, considerado um recordista em corridas a pé, o que o tornara famoso desde os tempos de quartel. Primeiro ouviu um berro de touro a grande distância, quando o rumo parecia ser mais ou menos, o da casa de Seu Belizário, na encosta do rio, a seguir mais um berro que ele constatou estar já bem mais próximo, quando o corajoso rapaz, mesmo assim começou a sentir um arrepio que começava no cangote e na medida em que lhe correndo, pela espinha dorsal, o mesmo chegava-lhe ao calcanhar. Foi nesta condição então que Rubérbo não parou para pensar, de um momento para outro passou a desferir violenta disparada e quanto mais corria, mais o berro se aproximava, a certa altura já na ânsia de escapar, sentira que o bicho quase lhe pisava no garrão, chegou a sentir um sopro no pescoço, que só parou quando Rubérbo alcançou o pátio e entrou varanda adentro. Depois deste susto do Rubérbo, episodio este que se tornou por demais conhecido, nunca mais alguém ouviu falar por aquelas bandas, que chiruzada alguma se reunisse nas sextas feiras santas em algum bolicho, para participar de jogatinas e tomar tragos.

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